Não há muito tempo, falar de Beja era pensar na Planície Alentejana, na terra do pão, dos ranchos, do cante dolente, do Sol e de boa gente de tez queimada, chapéu de aba larga e de poucas falas. Beja, uma realidade entre o urbano e o rural, que de mãos dadas fizeram a sua fundação, algures, dizem, na Idade do Ferro.
Hoje, falar de Beja é pensar numa cidade multicultural, numa região onde do Alqueva se fala, em que o azeite e o vinho são símbolos de marca. O pão é memória, a água o futuro, a azinheira já não é o chapéu-de-sol e o cante é candidatura a património imaterial.
É desta Beja que as freguesias de Salvador e de Santa Maria da Feira contribuíram para fazer a sua história. É esta Beja, com quatro freguesias de nomes santificados, a freguesia do Salvador tem o Santíssimo Salvador como seu orago, santo protetor e homenageado em templo do mesmo nome, a Igreja do Salvador, símbolo de um edificado que remonta ao século XIII.
A igreja do Salvador parece uma construção vulgar, mas não é e, depois de bem observada, tem muito que se lhe diga, especialmente quanto à arquitetura. É o mais significativo edifício de estilo maneirista existente em Beja, provavelmente construído no final do século XVI ou no início do seguinte. De uma só nave, a arrojada abóbada de berço é equilibrada por arcos exteriores e capelas interiores, intercomunicantes, tal como na igreja do Espírito Santo de Évora. Além disto, apresenta um falso transepto e uma janela de mármore perspetivada, tão ao gosto da austeridade maneirista.
O estilo maneirista é o que apresenta maior expressão na cidade, pois ao lado da igreja do Salvador, o atual quartel da GNR, encontra-se uma das maiores edificações do país no mesmo estilo, era o colégio dos Jesuítas dedicado a S. Sisenando, mártir cristão do século VIII, nascido próximo do local e padroeiro de Beja.
A freguesia do Salvador conta um riquíssimo e antiquíssimo património arquitetónico religioso com muitos séculos, como é a Igreja de Nossa Senhora do Pé da Cruz, situada no antigo bairro das Alcaçarias, próximo da Fonte Santa. Com uma fachada “estilo chão”, caracterizada por linhas austeras, dificilmente deixa adivinhar a riqueza barroca de azulejaria, pintura e talha dourada do seu interior.
Vamos até à Pousada de S. Francisco, antigo Convento de S. Francisco, do século XIII, erguido já fora das Muralhas, à beira da estrada que ligava Mértola a Beja, é mais um edificado a valorizar a nossa Freguesia. Salienta-se a singularidade da Capela dos Túmulos, a Cisterna, as pinturas da Sala do Capítulo, o Refeitório e a imensa nave da igreja.
As portas de Moura, mais uma das entradas principais de acesso à cidade, conduz-nos ao antigo bairro da Mouraria. As muralhas requerem algum restauro de modo a permitir o acesso público ao caminho de ronda ou de vigilância. O ambiente é medieval, embora conserve vestígios dos períodos romano e árabe que embelezam a nossa freguesia. Perto, na Rua do mesmo nome, encontram-se, além dum portal gótico, em mármore e alvenaria, com chanfros (rebordos) e lavramento singelo, chaminés de ressalto e beirados de telhado à mourisca.
Mais um símbolo arquitetónico a visitar nesta freguesia, a Ermida de São Pedro. Um pequeno templo, construído no século XVII. Dizem os historiadores, que esta ermida é uma réplica, obviamente muito simples, da Igreja de São Pedro de Roma. Bem graciosa, com a sua cúpula e o lanternim (aberturas laterais) e a singela galilé (entrada da igreja) em arcada. É um cartão-de-visita à cidade.
Temos na freguesia de Salvador espaços bastante aprazíveis e que proporcionam ao visitante momentos de lazer e de reconhecido valor no seu património arbóreo. Estamos a falar do Jardim Gago Coutinho e Sacadura Cabral, o principal jardim da cidade. Mas não ficamos só pela riqueza vegetal, também aqui nos cruzamos com a história da nossa cidade, a estátua do Lidador, Gonçalo Mendes da Maia, e um painel de azulejo da autoria de Jorge Colaço, onde se mostra a violência da última batalha contra os mouros em que o Lidador, ferido de morte, saiu vitorioso. Para além deste temos ainda outros jardins, como: Praceta António Aleixo, Jardim das Alcaçarias; Jardim do Mira Serra; Jardim do Tribunal, entre outros espaços verdes e de uma riqueza arbórea e de embelezamento da freguesia, logo da cidade, muito grande.
Para completar a caraterização do património arquitetónico e ambiental, falta falar do Arco romano de Avis que dá acesso ao Miradouro do Terreirinho das Peças e do Jardim da Rampa com a sua escadaria em pedra que divide ou une as freguesias de Salvador e de Santa Maria.
A par deste património temos um outro, não menos importante, o que reúne um património humano extremamente valioso, o das coletividades e do movimento associativo, cultural e desportivo que têm a sua sede nesta freguesia. Entre estes contam-se: Associação Cultural e Recreativa Zona Azul; o Centro de Cultura e Desportivo do Bairro da Conceição; o Centro Popular dos Trabalhadores – Clube Atlético Operário e o Beja Atlético Clube.
Pela freguesia proliferam vários restaurantes, uns mais rústicos, outros mais decorados, mas todos eles dão um valor primordial à nossa tradição gastronómica: Migas de porco; sopa de cação; açorda; carne de porco à alentejana; trouxa-de-ovos; papos de freira; porco doce e toucinho-do-céu, são alguns dos pratos confecionados.
Uma freguesia que viu crescer o número de habitantes, dados dos Censos de 2011. Assim, dos 5774 habitantes de 2001, passou em 2011 para 6582, aumento de 808 habitantes.
Uma freguesia que cresce no seu edificado novo, que se renova na sua população, que promete respeitar o antigo e lutar pela integração do novo, sem ferir a sensibilidade arquitetónica e ambiental do seu habitante ou do visitante.
Texto adaptado da Iconografia Pacense, publicada no Diário do Alentejo, entre 1995 e 2010, de Leonel Borrela)
Santa Maria da Feira foi a freguesia que administrativamente foi extinta e agregada à do Salvador. Continuamos a respeitar a sua identidade e a ela está associada mais uma grande história da vida da cidade. O seu património edificado é riquíssimo e muito ligado às lutas entre cristãos e árabes, entre portugueses e castelhanos, e aos grandes senhores da terra.
Tendo uma área considerável de meio rural em terrenos agrícolas, a freguesia de Santa Maria da Feira tem a sua história ligada a grandes explorações agro-pecuárias da época romana, como provam os vestígios da Quinta da Suratesta, uma villa classificada como Monumento Nacional.
Dentro da parte urbana temos três grandes monumentos: o Convento da Nossa Senhora da Conceição; a Igreja de Santa Maria da Feira e o Pelourinho. O Convento da Conceição foi fundado no século XV, pelos Infantes D. Fernando e D. Brites pais do rei D. Manuel I, primeiros duques de Beja. Da sua arquitetura destacam-se os estilos gótico e a passagem para o manuelino, mudéjar e renascimento. A Igreja, a Sala do Capitulo e o Claustro são espaços que chegaram até hoje com a sua traça original. É notável a sua decoração, dos séculos XV ao XVIII, com revestimentos de azulejaria, pintura, mármore, talha e objetos religiosos em prata. Há que apreciar especialmente os andores em prata dedicados a S. João Evangelista e S. João Baptista.
No edifício funciona o actual Museu Regional ou Museu da Rainha D. Leonor, como homenagem ao facto da fundadora das Misericórdias ter nascido em Beja, em 1458. O museu possui um rico acervo de que se destacam as coleções de pintura a óleo sobre madeira, tela e cobre, de mestres portugueses, flamengos, espanhóis, dos séculos XV ao XIX.
Pode-se ainda apreciar, no 1º piso, a seção de arqueologia, centrada, sobretudo, no período romano, no tempo da Pax Júlia, enquanto no 2º piso, se expõe a parte mais importante da belíssima coleção arqueológica oferecida por Nunes Ribeiro, a qual se estende desde a pré-história aos nossos dias. Estão associadas ao Convento da Nossa Senhora da Conceição as Cartas de amor de Soror Mariana Alcoforado (1640-1723), a freira que viveu no Convento e autora das cinco Lettres Portugaises, dirigidas a um oficial francês Noel Bouton, mais conhecido como marquês de Chamilly, que durante a Guerra da Restauração esteve em Beja e por quem a freira se apaixonou. As famosas cartas traduzidas para mais de trinta idiomas, já somam, desde o século XVII, mais de quinhentas edições em livro ou revista.
Bem perto do Convento da Conceição temos a igreja de Santa Maria, obra de origem visigótica, do século VI / VII, em cujo lugar os muçulmanos construíram, após a invasão da Península Ibérica, a mesquita. Com a conquista portuguesa, no século XIII, foi adaptada a templo cristão, reinava D. Afonso III e passou-se a dominar Santa Maria da Feira.
Dois séculos depois foi reformada, mas ainda conserva a capela-mor gótica, com suas esbeltas janelas geminadas, além de outros vestígios mais antigos. A frontaria, com seu alpendre ou galilé gótico-mudéjar, protege a entrada de portais renascença que dão acesso a um amplo espaço basilical, de três naves. Possui também belos altares e capelas de estilo barroco, além de azulejaria do século XVII, portuguesa.
Em 1923, ao lado da igreja, e entre esta e a torre sineira, foi edificada a Caixa Geral de Depósitos, sacrificando-se a capela de N. Sra. do Rosário e um altar fixo da procissão dos Passos da Via Sacra, no género do da rua Ancha. Há muito desativada a agência bancária, o edifício foi alvo de obras recentes no sentido de devolver ao local a sua memória histórica.
Ainda uma referência especial ao Pelourinho, obra que simbolizava os “Costumes de Beja”. Depois de várias mudanças e até de alguns acidentes, encontra-se neste momento na Praça da República, antiga Praça D. Manuel I, num espaço onde se cruzam as freguesias da cidade, na parte que corresponde à freguesia de Santa Maria. O seu lugar mais antigo teria sido diante da antiga câmara e tribunal de Beja, actual edifício da torrinha cilíndrica, mais ou menos no cimo do largo do Porvir, ao lado da igreja de Santa Maria.
Caminhando pela freguesia descobrimos mais unidades de restauração que continuam a pôr a gastronomia ao serviço da população com os pratos regionais e de sabor mediterrânico, com uma pitada árabe e uma mão cheia de criatividade da população alentejana. Aqui se serve o borrego à pastora; migas e açorda à alentejana; sopa de peixe; toucinho; tomate e bacalhau; cozido de couve; feijão e grão, carnes de porco e de borrego. A nível económico, Santa Maria da Feira está claramente virada para o sector secundário. Aliás, o Parque Industrial da cidade de Beja concentra-se na sua maioria aqui. O comércio tem também alguma importância.
O património humano continua a ser o mais rico, tanto pela parte forma como se associa, como pela parte em que evidencia a sua sabedoria, cultural e forma relacional na sociedade.
Temos duas associações com muito “peso” na freguesia, o Centro Social do Bairro da Esperança e Associação Regional de Artesãos e de Artistas, entre outras. Uma freguesia que viu crescer o número de habitantes, dados dos Censos de 2011. Assim, dos 3 577 habitantes de 2001, passou em 2011 para 4596, aumento de 1019 habitantes.
Texto adaptado da Iconografia Pacense, publicada no Diário do Alentejo, entre 1995 e 2010, de Leonel Borrela.
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